Os elementos que constituem um estilo são os elementos formais de uma arte. A técnica permite ao artista amoldar esses elementos a fim de exprimir a sua arte, porém a virtuosidade num certo estilo não implica eficiência num outro, sobretudo quando este outro deriva de convenções de cultura diferente. Assim, por exemplo, a música européia baseia-se em convenções como a escala de sete notas, com seus acidentes, e ênfase numa afinação perfeita, intervalos perfeitamente definidos que permitem a combinação vertical de diferentes vozes (harmonia) ou horizontal de diferentes melodias (contraponto, polifonia e politonia quando em tons diferentes) e, empregando-se os sons em agregados de 12 sons (sete notas e cinco acidentes) estruturados de uma maneira convencionada pelo compositor, mas seguida de fio a pavio numa determinada obra, teremos a técnica dodecafônica de Schoenberg.
A música africana difere radicalmente desta concepção, usando intervalos menores do que meio-tom e produzindo uma indeterminação na afinação (como a concebemos). Muito mais importante do que isto é a prioridade dada ao ritmo, essência dessas músicas chamadas "primitivas". A melodia é um simples acessório da estrutura rítima e não vice-versa, como na música européia. Polirritmia é no caso (quanto à importância) o que corresponde à polifonia na música dos conservatórios.
No Jazz, música essencialmente híbrida, tanto o ritmo quanto os preceitos melódico-harmônicos são levados em conta. Também nele os instrumentos de sopro contribuem para sua polirritmia conjuntamente com os diversos instrumentos da seção rítmica. Tem que haver um entrosamento de texturas rítmicas que resolvem num mesmo espírito, produzindo um balanceio irresistível ou swing. Aliás, aos instrumentos de sopro, além da função melódica, confere-se uma função rítmica ao vibrato e ao fraseado.
Depois da polirritmia, o tratamento da matéria sonora é um dos elementos essenciais ao Jazz. Os músicos abandonaram as sonoridades prescritas pelas regras das academias para produzirem sonoridades sui gereris que muitas vezes até servem para os identificarem. Assim, há uma grande diferença entre um solo gravado pelo seu criador e o mesmo transposto para a pauta, justamente porque o senso do ritmo, as pequenas malandragens no fraseado e, evidentemente, a sonoridade não são passíveis de notação. Também o fato de que os solos são criações extemporâneas, reforça essa diferença. Assim, a polirritmia em que concorrem todos os instrumentos da orquestra, aliada à invenção melódica da improvisação, é a qualidade dos sons que por si mesmo são altamente expressivos e constituem a essência do Jazz. É, também, bom frisar que em geral não existe tanto rigor na afinação, ou melhor, que às vezes há uma bemolização franca ou sugestiva (um quarto de tom) no terceiro, no quinto e no sétimo grau da escala (blue notes). Essas particularidades em sua relação com a origem africana, devem ser distinguidas. A essencialidade da polirritmia é parte integrante do Jazz, mas é muito diferente da africana. O espírito continua numa forma diferente. Na música africana usam-se frequentemente ritmos mais complexos (7/4 e 7/8). No Jazz o isocronismo de base é absolutamente essencial. Temos a grande influência do ritmo do trem, por exemplo, como elemento cultural novo. Também concorrem para a expressão do ritmo, instrumentos de sopro de grande maleabilidade, não apenas acessórios como na música africana. A estrutura harmônica do fraseado que deve contribuir para o ritmo baseia-se praticamente na harmonia européia, excetuando-se as bemolizações descritas acima. Mais importante, a invenção melódica nas improvisações individuais ou coletivas está ligada à estrutura harmônica (européia) dos temas sobre os quais se improvisa. Mesmo os primeiro músicos de Jazz, muitos dos quais não sabiam ler (música), tinham que ter uma intuição para a harmonia, senão não seriam capazes de tocar.
(JAZZ PANORAMA, escrito por Jorge Guinle em 1953).